As saudades que tenho de um carinho. Tu entendeste a criança que havia dentro de um homem que te escrevia nas estrelas. Queria repetir vezes sem conta. Uma vontade grande de chorar. O corpo suado. Eu, sujo por dentro e por fora. A pureza grande de um sorriso. Saudades até do futuro que acredito que... eu e tu. Não sei se, neste momento, alguém te ama ou se, algures, te sentes só. Vou deixar-me adormecer, cansado, tão cansado, parado na fronteira das lágrimas que engulo a saber a sal.
(É verdade... Tu entendeste a criança dentro de mim e eu só queria voltar a ser essa criança outra vez. De poder voltar a sorrir. De poder voltar a acreditar. Mas não sei.)
- Para quê falar em calma?,
é só por fora que ela me visita, deixando-me na cara, impávida, a imagem suave de uma serenidade. Por isso fico sentado, imóvel, calado como atravesso a vida. Ninguém vê as lágrimas que escorrem dentro dos meus olhos, só eu é que vejo, só eu é que estou dentro de mim. Por fora, existe o eu que quero, esse eu que exibo onde quer que vá, esse eu que as pessoas apontam como sendo eu. Por dentro entrechocam-se pedaços inteiros do que tenho vindo a ser: uma avalanche de emoções que não controlo e apenas consigo filtrar à medida que elas atravessam todas as partes intestinais de que sou feito. Não sei como é dentro de cada um dos outros, só sei como é aqui dentro onde me encontro perdido.
(Acho que compreendes... Pelo menos já assististe vezes demais a esta cena. A minha calma exterior, a face impávida, enquanto um turbilhão de sentimentos, sensações, memórias, angústias, passava cá por dentro. Enquanto lutava para não me afundar na escuridão do meu ser.)
- Por que não falas comigo devagar a tentares fazer-me perceber tudo o que teimo em não querer entender?
Ora!, não vale a pena. A tua voz perder-se-ia na inglória travessia dos espaços amplos e nos labirintos do tempo que em mim existe em placas desordenadamente sobrepostas, às vezes como se os dias não tivessem passado e tudo se aglomerasse no mesmo presente. As coisas têm sempre o seu fim.
(Tu nunca conseguiste entender... E talvez eu nunca te tenha deixado entender... Talvez nunca te tenha deixado entrar cá dentro para tu veres... Ou se calhar até deixei, e tu também te perdeste por lá, ou então viste e saíste dali para fora para sempre, e nunca mais quiseste voltar com medo. Quem sabe?)
Queria não trazer comigo esta tristeza, tão grande que desafia até o tempo. E lembro-me tanto de outrora, da esperança que tinha que chegasses a entender todo este meu ser deformado, anti-natural.
(Mas não passava de esperança... Esperança de uma tola, uma parva, que não sabe pôr os pés no chão e enfrentar a realidade tal como ela é.)
Só diante de certas coisas perdidas percebemos finalmente que elas um dia foram nossas.
(Pois... Só depois de perdermos algo/alguém de quem gostamos mesmo, é que nos damos conta que elas sempre estiveram a nosso lado, foram nossas, e que as deixamos escapar...)
A sofrer baixinho no silêncio que resiste ao bater das lágrimas e ao cair do choro e ao rasgar das palavras e ao sonho do saber. O espaço entre a noite grande e o céu vazio é apenas um espaço. Por dentro, onde estou apenas eu, choro a falta de um fim, a falta do cansaço e choro a falta de mim.
(A falta de tudo...)
- E se tu soubesses...
Se tu soubesses o que me vai na alma... se soubesses as vezes em que em ti penso a saber que nem sequer de mim te lembras. E se soubesses que tantas das pessoas que por mim passam, passam porque procuro esquecer-te enquanto tenho de esperar e ter paciência porque, para já, os nossos tempos são diferentes, assim como os espaços. Se soubesses desta tristeza e solidão... apenas um pouco, talvez descesses por este escuro buraco que sou, tacteando ao longo das paredes lodosas da minha armagura. E talvez um dia, no fundo do teu olhar fechado, eu descubra uma alegria.
(Ou talvez não... Porque já não há nada a fazer... Não há esperança, não há crença, não há confiança. Tudo o que resta é esta tristeza, esta solidão, causada por mim. Cavei a minha própria supultura, sim, talvez. Isso significa que não tenho saída? Que não mereço ajuda? Ou talvez vás dizer que só quem quer realmente ajuda é que a merece...)
Prometíamos nunca mais nos vermos mas havia qualquer coisa que nos impedia de cumprirmos a promessa, como se um chamamento entrasse dentro de nós e nos impelisse a contrariar as vontades ordenadas do raciocínio. E voltámos a encontrar-nos e voltámos a gostar de nos magoarmos quando nos encontrávamos. E tantas vezes eu não dizia o que pensava e tu dizias o que não pensavas.
Bruscamente cansei-me.
Foi quando comecei a ficar cada vez mais dependente de mim. Cansei-me e u nem sei ao certo de que é que me cansei. Talvez da nossa incapacidade de ir mais longe do que simples momentos anacrónicos, dispersos.
(E tu cansaste-te... Cansaste-te de mim. De não me conseguires ver. Cansaste-te de eu não dizer o que pensava. Cansaste-te do meu silêncio.)
Amanhã pode ser que seja um dia diferente destes dias repetitivos, monótonos. Pode ser que venha um sono calmo de suaves cantos de rouxinóis enamoradamente nocturnos. Sons a descer das estrelas, do céu que respiro a cheirar a paz. E pode ser que amanhã não exista o pânico escondido, amordaçado, de mais mágoas e mais dores até ao infinito. Pode ser que venha... (...) Amanhã pode ser que o sol venha e seque as lágrimas vertidas por dentro.
- Amanhã!
Longínquo, irreal. Como o passado.
(Qual amanhã? O amanhã vai ser igual a hoje, que vai ser igual a ontem. Nada vai mudar. E vai ser assim até ao fim...)
Mas eu também não quero tanta coisa. A vida só agora começou. E isso também não queria, queria, ao invés, que ela estivesse bem perto do fim. A terra prometida do sossego, da paz. Nós prometemo-nos tanta coisa que éramos incapazes de cumprir. Porquê? Era assim tão grande a vontade das coisas a fazer? Não creio. Nunca vieram os dias serenos e as noites de dormir. Ou vieram e eu não me lembro já?
(Tantos projectos, tantos sonhos, tantas ilusões... Nunca vivemos para elas... Eram impossíveis de concretizar... Não vieram dias serenos, nem noites de sono. Talvez sempre soubessemos disso... Talvez...)
Como pudemos nós ter ilusões? Ilusões que ficassem para além do dia que passa? O amanhã não existe, não existiu nunca. Apenas o ontem, e o hoje a pouco e pouco.
(Apenas nos magoamos ainda mais com as nossas ilusões, com as nossas esperanças, os tais chamados sonhos... O futuro não existe. Existe o passado que marca o dia-a-dia.)
Um frio de tremuras por toda a carne até ao aflorar dos ossos. Ontem foi um sonho. Um choro de desgostos pela noite, por toda a noite. A dor que chama! Ontem foi o sonho das promessas, amanhã não existe. Montanhas e montanhas de palavras desde o começo desta vida ainda agora começada. Palavras que disseram o quê?, se afinal basta uma palavra, se afinal basta a ausência de uma palavra. Olho nos teus olhos até os meus olhos deixarem de ver. Tão longe quanto posso. E tão longe quanto vejo há a mancha indelével de uma pena inexprimível.
O tempo dirá tudo aquilo que tudo significou. Para cada um de nós, no ponto mais baixo do que seremos.
Algures, a paz desce em algum lugar e as nuvens vão subir numa distância de limpar o céu. E quem se importa da minha vida ou morte? Quem?, se ninguém sabe o que sou no fundo. A única pessoa em toda a volta, em todas as voltas de mim. Eu, omnipresente. A única coisa que estou certo de encontrar para onde quer que vá. Eu e a tristeza que comigo trago, nós que somos indisjungíveis. Tu sonhas com o amanhã e sonhas com o que não existe, eu vivo com o ontem e vivo com o que já não existe. Tudo o que veio e tudo o que se foi. Lembro-me das palavras mas não de todas as palavras. Talvez um dia fiquemos a saber a razão da solidão.
(Vivo com o passado. Vivo com o que foi. E talvez um pouco com o que poderia ter sido. Mas nunca penso no futuro, porque o futuro deixou de ter sentido no passado. Acabou-se o sonhar. A realidade foi mais forte que esse mundo.)
- Mas onde é que tudo acaba?
Com raiva, eu e tu! Inconscientes. O som de nós, natural. O som com que estilhaçámos o silêncio da noite (...). Um som também quase de ódios, tantos eus em cada um de nós que nesse instante se contradiziam, se negavam, se subjugavam. Trémulos. Ternura e raiva do princípio ao fim de mim, do princípio ao fim de nós. E dizias:
- Nós somos tudo e nada!
E tudo se acaba e o nada não existe. A exigência banal do que fomos. Fugaz. Um atrás do outro, cada dia que começa começa também a inexistir. Em horas e minutos. Um nó na garganta que amordaça as palavras. Esmagador. Ontem foi tão longe. O nosso som etéreo na força de tudo o que éramos. Uma brisa que sopra com calma como se parasse para ver o dia que morre.
(Somos tudo e não somos nada... Fomos tudo e não fomos nada... Tudo tão rápido... Um piscar de olhos...)
É como se escrevesse um adeus. É como de mim se desprendessem as coisas que de nós faziam parte. É como se do fim do céu viesse uma música triste preencher o espaço vazio que ficou a doer-me no lado direito da existência. E tantas coisas ainda por fazer. E tu estás longe e tu foste quem esteve mais perto de mim.
- Mas, agora, de que coisas te lembras tu?
Eu lembro-me de tudo. De todas as palavras, de todos os gestos, de todos os pensamentos, de todas as sensações, de todas as memórias, de todas as inquietudes. Lembro-me de nós e lembro-me, também, do que isso significa. Uma distância irrecuperável, tétrica, macabra. (...)
- Agora, quanto de nós sobra em cada um de nós?
Tudo?! Mas tudo como?, se o que passou já não existe e nós também já não existimos. Existes tu e existo eu. Apenas. Como se do fim do céu, do mais fundo da sua superfície lisa, se espalhasse um momento bonito de sol e luz. Um quebranto efémero. Atravessámos os momentos num só momento. Faço-o por ti e por mim. Até ao mais intuitivo de tudo o que nos uniu. Sofro a tua dor, a dor de todas as criaturas da natureza.
(Quanto de nós sobra em cada um de nós? Quanto? Tudo... Nada... Tu e eu, um de cada lado. Apenas.)
E deixa-me contar-te, agora que chegou a hora em que tudo se decide, tanto do que em mim sempre se passou: da minha tristeza sem razão às razões minúsculas de muita da minha tristeza; de como me dôo por dentro com a dor que vejo e de como me é insignificante a dor que provoco; de como a vida me foi sempre tão diferente do que parece; de como perdi a inocência no dia em que senti os olhos encherem-se do cinzento amargo da tristeza baça dos vértices das montanhas. Deixa-me, então, contar-te como descobri que a vida sem ternura não é grande coisa e como se consegue viver sem chorar e com olhos cheio de água. E deixar-me dizer-te como era o teu desespero calmo de criança que eu nunca vou esquecer desde que exista o meu pensar. Deixa-me explicar-te como se destroem ilusões (isto tu sabes, não é?) e como é difícil recomeçar todas as coisas quando nelas não se acredita. E deixa-me contar-te como foi aquele dia em que um vento de Invernos soprou fantasmas nos meus sonhos de menino e se fez triste o meu sorriso e como cresceu este silêncio imenso que em mim se sente do princípio ao fim. E, finalmente, veio o dia em que não havia mais ninguém na vida, em toda aquela vida afinal ainda tão curta.
Queria pedir-te o impossível! Mas antes disso, deixa-me lembrar de como me recordo dos primórdios da minha tristeza. Deixa-me lembrar agora, porque este é como se fosse um rascunho final, não o que se vai passar depois. Eu era tão pequeno ainda e uma noite veio uma enorme solidão, assim como uma onda, e pensei, sem saber no que pensava:
- Eu quero morrer!
assim, só assim, lembrança ténue da primeira das mágoas. Foi aí também que descobri que não se pode contar a ninguém o segredo da dor. E, depois, tu já sabes, não preciso de to voltar a contar, veio um enorme desinteresse de viver, um silêncio que fui deixando crescer em mim como uma forma de ir morrendo.
(Talvez tenha sido isso ou não... Não sei... Não quero saber... Já não interessa... Mas também, o que interessa?)
- A beleza não está nas coisas, está em nós!
Por que não me mostraste onde estava a minha? A tristeza também não está nas coisas, está em mim. Deixa-me, porque o tempo é pouco, contar-te todo, mas todo, o desespero. Não sei onde acaba a solidão. E diz-me, por favor!, quantos eus tenho eu?
Este é um jogo que não queria jogar. O resultado está viciado pela própria essência de mim. Mas que importa? Que importa qualquer coisa? O Mundo lá fora, triste. Tão triste de mim, que assim o vejo. Não queria que fosse um jogo, queria que fosse um fim. Ou um princípio. E queria, ao mesmo tempo, que não fosse o nada depois de tudo.
(Queria tanta coisa... Mas se nunca acreditamos nelas, como se podem tornar realidade...? Se só uma pessoa acredita nelas, como as podemos viver? Não acredito em mim, e aí está o mal de tudo. Posso fugir daqui, posso fugir do mundo, posso fugir de ti, mas não posso fugir de mim. Pensei que me fosses ajudar a encontrar a minha beleza... Pensei que me fosses ajudar a encontrar-me... Mas no final de contas, fomos tudo e nada...)
Tantas Vezes Tu. Afonso de Melo.
(Seems like I won't power blogger anymore :P)