António Lobo Antunes - Os Cús de Judas
O tempo trouxe-nos a sabedoria da incredulidade e do cinismo, perdemos a franca simplicidade da juventude com a segunda tentativa de suicídio, em que acordámos num banco de hospital sob o olho celeste de um S. Pedro de estetoscópio, e desconfiamos tanto da humanidade como de nós mesmos, por conhecermos o egoísmo azedo do nosso verniz generoso. Não é em si que não acredito, é em mim, na minha repugnância de me dar, no meu pânico de que me queiram, na minha inexplicável necessidade de destruir os fugazes instantes agradáveis do quotidiano, triturando-os de acidez e ironia até os transformar em cerelac da chata amargura habitual. O que seria de nós, não é, se fôssemos, de facto, felizes? (...)
In Tinta Invisível.
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