Nada p'ra fazer 1
É um dia como qualquer outro. Pleno de sol, uma leve brisa de Verão a acariciar os cabelos das jovens que se bronzeavam na areia, risos e gargalhadas das crianças, gritos dos pais, casais de namorados a passear à beira-mar, pescadores nas rochas, imóveis. Apenas se distingue pelo facto de não estares aqui. Sento-me nas dunas, impávida e serena. Já partiste há tanto tempo e a tua presença ainda continua tão forte, tão ligada a mim, tão dentro de mim... Todos os lugares onde vou me lembram de ti. Hoje decidi descer até à praia e refugiar-me no canto onde te encontrava sempre que te julgava perdido. Mas hoje não estás cá. Nem estiveste ontem. E no dia anterior também não. Reparo num casal de idosos sentado aqui perto, ele agarrado ao seu jornal, ela com o crochet, mas muito próximos um do outro, tão próximos que os pés se tocam. Parecem ausentes, dois seres individuais, cada um no seu mundo, mas quando o vento sopra com um pouco mais de força, ele agarra no chapéu dela para não voar, com um sorriso protector. Pergunto-me se teríamos sido assim, se chegassemos lá. Éramos capazes de ficar horas a olhar fixamente as ondas do mar e o horizonte, juntinhos, dois seres fundidos num só. Estes longos silêncios apenas eram interrompidos pelos teus sussurros: "Sabes que te amo, não sabes?". Eu não respondia... Apertava mais a tua mão na minha e por dentro sorria, sorria porque me amavas, a mim, eu que nem sabia porque estavas ali, o que tinha feito para te merecer. Agora sei que esse silêncio te incomodava. Sei o que esperavas de mim, que te respondesse, que me mostrasse, que desse pulos de alegria e que gritasse aos quatros ventos que sim, que sabia e que te amava também e que mais ninguém me podia fazer tão feliz quanto tu. Agora sei-o. Mas na altura, pensei que soubesses, que não precisasses que eu te dissesse. Errei. Errei durante meses, anos. E nunca percebi porque estava errada. Agora percebo, acho eu. Percebo porque te foste embora. Eu não te dava aquilo que querias, que precisavas. Respiro fundo e sacudo a areia distraidamente dos joelhos. Sou capaz de ficar aqui horas sem fim, até escurecer, sem me aperceber do movimento do Sol que desliza quase imperceptivelmente na direcção do oceano. De vez em quando, alguém repara em mim e, contrariamente ao racional, vê-me perguntar se estou bem. Sorrio levemente, de forma apática, e respondo: "Estou apenas à espera de uma pessoa." E eles desaparecem tão depressa quanto chegaram, e eu volto ao meu silêncio, ao meu esconderijo dentro de mim. Muitas das vezes sou a última a caminhar de volta pela praia, cabisbaixa, com as sandálias na mão. Mas não hoje. Hoje não me apetece ver o Sol fundir-se com a água e mergulhar nela, porque isso significa que foi mais um dia em que não vieste. Ainda é cedo e no entanto já me parece tão tarde... Nunca pensei que te fosses embora, nunca me imaginei nesta situação, sem ti. Por isso me recolho aqui todos os dias, rodeada por ti e por todas as nossas memórias. Nunca mais soube de ti... Foi como se não tivesses passado de um sonho e tivesse chegado a hora de acordar sem que eu estivesse preparada para enfrentar a realidade, sem ti. Tem piada, eu que nunca me deixei ligar a alguém, eu que punha e impunha barreira, agora passo tardes inteiras à tua espera, como um animal de estimação à espera do retorno do dono (ou apenas à espera do pedaço do coração que levaste contigo...).
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