Era tão visível que ela precisava de ajuda... Mesmo ali, rodeada de pessoas que se riam, e ostentando um sorriso de orelha a orelha, era impossível não reparar no olhar fugidío dela e nos olhos algo brilhantes. No entanto, ninguém parecia notar o desespero silencioso dela, nem aqueles que se sentavam mais próximos. Parecia uma festa, uma celebração, embora ele não percebesse muito bem do quê. Já se tinha passado tanto tempo e ela ainda continuava igual à última vez que a tinha visto, tirando, talvez, alguns pormenores do aspecto físico. Nunca descobrira o que a fizera crescer com aquela amargura tão grande. Quando a conhecera, não lhe parecera infeliz e sempre que estavam juntos, era perfeito. Pensando bem, desde a primeira vez que a vira, sempre tivera aquele olhar, sempre se escondera por detrás de um sorriso ou de um silêncio, e nunca lhe parecera muito feliz. Pensara que podia mudar isso, que podia torná-la menos infeliz, que juntos podiam mandar a vida à merda e recomeçar tudo de novo, mas ela nunca parecera querer mudar. Lutara tanto para a ajudar, para a soltar... Apetecia-lhe abraçá-la e embalá-la nos seus braços, até que por fim se libertasse daquelas lágrimas que nunca vira. Era tão fraca, tão frágil... E julgava-se tão forte, tão capaz de aguentar tudo sozinha... Na verdade, quando a deixou, queria-lhe provar que não, que seria incapaz de viver assim para sempre. Ela sofreu, sim, sofreu muito com a partida dele. Mas ela própria ajudara a que isso acontecesse, quando se fechou cada vez mais e não o deixou entrar. Tinha a certeza que o amava, assim como não tinha qualquer dúvida de que a amava, a cada pedacinho dela, mesmo aqueles defeitos que mais odiava. Mas havia algo nela que ele desconhecia, aquilo que a impedia de o amar, que ela insistia que não existia. Ainda gaora, enquanto a observava de longe, escondido pelas sombras das paredes, mantinha a convicção de que ela possuía algum segredo, algo que não queria contar a ninguém. Teria dado tudo para a ajudar, para lhe mostrar que podia confiar nele, que ele só queria ficar com ela para sempre, conhecer a verdadeira pessoa dentro dela, aquela que se escondia mesmo ali, no olhar que ninguém parecia notar. Como se não fosse surpresa alguma, ela olhou-o do outro lado da sala, com aquela luz no olhar que só lhe dirigia a ele. Ou se calhar era apenas um efeito das suas próprias lágrimas que lhe escorriam pela face perante o reconhecimento dela. E mais uma vez a raiva diante daquele "Amo-te mas nunca me terás, desculpa.". A raiva por tudo o que ela deitara fora, por ter estragado a vida a ambos, matando todos os sonhos que tinham construído juntos. A raiva por esconder coisas dele, por não confiar nele, por não o deixar entrar de novo no coração dela, o único sítio onde se sentiu protegido. E então, a rapariga voltou da casa-de-banho e sentou-se em frente dele. Já nem se lembrava que estava ali com ela. Ela apercebeu-se que algo se passava. Não queria esconder nada dela, mas naquele momento não lhe apetecia falar do que se passava. Assim, pediu-lhe para se irem embora e levantaram-se ambos, virando mais uma vez as costas àquele olhar desiludido, sem olhar para trás e desejando poder esquecê-la. Olhou para a rapariga a seu lado, que o fixava com um ar preocupado, e estendeu-lhe a mão. Ele apertou-a na sua e fez-lhe uma festa com o dedo. Enquanto caminhavam pela noite, a memória daqueles olhos tristes que deixara para trás perseguia-o, assim como aquele sussurro transportado pelo vento, que o atacava directamente no coração como uma faca aguçada: "A minha mão na tua..."